quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

A Verdade Sobre 87


O grande debate surdo começou na segunda-feira, dia 7 de dezembro. Ele já vinha se ensaiando, em escaramuças virtuais, mas claro, ganhou força assim que o Flamengo conquistou seu (quinto, sexto?) título brasileiro com a vitória sobre o Grêmio. Os rubro-negros cariocas, muito enfaticamente, celebraram o hexa, e o empate em numero de conquistas com o São Paulo. Os tricolores paulistas, claro, ironizaram – dizendo que 1987 não foi título, porque a CBF não reconhece etc. E torcedores do Sport Club Recife, bom, esses… estrilaram.

É uma discussão que se arrasta há tanto tempo – mais de 20 anos – que dez entre dez cronistas esportivos bufam, sopram e grasnam diante dela. Você deve ter lido e ouvido um caminhão de gente dizendo que não agüentava mais falar sobre o tema, que ele era insuportável, mala, ugh, mais chato do que um videoteipe da Fernanda Young se auto-entrevistando e posando nua ao mesmo tempo. Este escriba aqui, arriscadamente, discorda. A discussão está longe de chata. Pelo contrario – ela é fascinante. E é assim porque é uma típica história brasileira – repleta de macunaímas e capitães nascimento.


O debate é surdo porque nenhum dos lados quer, no fundo, ouvir o outro. O torcedor quer apenas vestir seus argumentos como fatos, apresentá-los e usá-los em favor de seu time. O mais interessante, pois, é como a discussão sobre o hexa-penta (ou penta-hexa) expõe a matéria-prima de todo e qualquer torcedor: o viés. Em nenhum idioma, a idiossincrasia do fã de futebol foi tão bem captada como no Brasil: o verbo torcer nasceu de um hábito das finas torcedoras do início do século XX: elas, agoniadas com os dramas em campo, torciam lenços com as mãos. Mas, de lá pra cá, o verbo galgou parâmetros.

O que fazemos, na arquibancada, é torcer a realidade a nosso favor. As faltas a favor do nosso time são evidentes. As faltas contra nosso time nunca existem. O juiz rouba contra nós – sempre – a não ser quando marca aquele pênalti incrivelmente inexistente e bom, aí, é “errou, né, mas já cansaram de errar contra nós” ou “o juizão é nosso” (o que é claramente perdoável). O torcedor tem a isenção do leão diante da zebra.

Exemplo? Procure MEIO torcedor do Flamengo que não considere o titulo de 1987 como brasileiro. É mais fácil encontrar um branco não-turista em Soweto (Informe Copa 2010: em Soweto, vivem três milhões de negros e 16 brancos). Por outro lado, procure MEIO torcedor do Sport que diga que o time não é o único campeão daquele ano. Procure mais – busque um torcedor de Vasco, Fluminense ou Botafogo que não torça o nariz implicante e diga “hexa sem ser penta… deve ser a primeira vez”.

E é por isso que a discussão é interessante – ela é um típico debate brasileiro sobre futebol. Foi Nelson Rodrigues, ecoando o filósofo alemão Johann Gotlieb Fichte, que sintetizou o viés do torcedor:

- Se os fatos me desmentem… pior para os fatos.

Toda santa discussão de futebol – seja no bar, no gabinete ou no planalto – tem viés. Tem lado. Futebol é fascinante justamente por isso – por ser um jogo que acaba mas não termina. A vitória em campo é, sem dúvida, a mais importante. Mas depois dela se seguem inúmeras e infinitas partidas morais. Exemplo: que torcedor do Corinthians não se irrita quando questionam a legitimidade do titulo brasileiro de 2005 apresentando o football card do Márcio Rezende de Freitas?

Questionar a vitória alheia é parte da dialética do futebol. Como torcemos pelo bem (nosso time) contra o mal (qualquer adversário), precisamos entender a derrota, justificá-la, explicá-la, digeri-la. Precisamos de argumentos que permitam estender a discussão maior – e eterna – que é a narrativa infinda da rivalidade.

E é no cenário desta narrativa que 1987 se insere – e continua vivo – como o campeonato brasileiro por excelência. Como o campeonato que nunca vai terminar – continuará sempre aberto – como uma fresta a expor nossas virtudes e mazelas. Sim, virtudes e mazelas porque o que aconteceu em 1987, dois anos antes da eleição que Lula perdeu para Collor (é…) e da assunção de Ricardo Teixeira ao poder… tem muito a nos dizer sobre o futebol (e o país) de hoje.

É uma história de interesses políticos e comerciais – de enfrentamento entre capitanias hereditárias e um arremedo de capitalismo – que ilustra quão difícil é a construção de um futebol de mercado num país continental. Examinemos, pois, o que plantou essa história sem fim – percebendo como a genuflexão de fatos pode atender este ou aquele freguês. Voltemos pois até 1986, quando começa nossa história.

Gustavo Poli

Tá gostando desse desenrole? Apesar da imparcialidade, que não compartilho, também curti. Então leia o resto do texto no Blog do Gustavo Poli. Pra quem não tem saco de ler tudo eu arrisco um resumo.

No seu texto o Poli demonstra documentadamente que o Flamengo se diz campeão de 87 porque ganhou dos maiores times do país jogando mais bola. E que o Ixpó foi safo ao alugar um helicoptero pra ir até Angra pedir pra uma juiza cassar uma liminar. Ou seja, ele deixou bem clara a diferença das qualidades dos méritos dos dois postulantes ao titulo.

Do Flamengo de 87 é desnecessário dizer qualquer coisa, do Ixpó não se pode dizer nada, na Internet não se encontra nem o nomes dos seus jogadores e o Judiciário e suas ilegítimas incurssões no futebol falam por si mesmas.

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